As Crónicas de um Viciado - 110 Anos de Lancia
- Gonçalo Sampaio
- 27 de dez. de 2016
- 3 min de leitura

Ah, a Lancia.
A bela, elegante, charmosa e encantadora Lancia. A injustiçada, esquecida e negligenciada Lancia. Dos vários atentados terroristas que aconteceram no mundo automóvel, como a morte da Pontiac ou o fim dos Ferraris de caixa manual, aquilo que fizeram à Lancia deve ser o que mais me choca.
Mas antes de falar da tragédia italiana do alfabeto grego, vou recordar um pouco o porquê de ainda haver tanto carinho e tanto amor por esta marca.

Para quem nasceu após o ano 2000, pode ser complicado conceber que a marca dos Phedras e dos Musas e restantes vasectomias motorizadas despertasse tantas paixões, mas para quem é da minha geração, ou mais velho, faz todo o sentido.

Não vou mentir, a razão principal para eu ser um amante dos Lancias são os rallies. Cresci a ver imagens do Delta Integrale conquistar título após título, com riscas da Martini Racing a percorrer as zonas da pintura branca que não estavam cobertas de lama. Que máquina gloriosa, só viria a ser derrotado pelo Toyota Celica GT-Four, 10 anos mais recente. E o que é realmente fascinante, é pensar que o Integrale foi o carro de corrida civilizado, porque os antecessores eram ainda mais excêntricos. Desde o S4, que fazia 0-100km/h numa estrada de gravilha em 2.3 segundos, ao Fulvia HF com a sua tracção dianeira e motor V4 montado num ângulo de 45º. E sem esquecer o meu favorito, o absolutamente perfeito 037.



Mas há tantas outras razões para amar a Lancia, quer na competição, quer fora dela, parece haver sempre uma aura de estilo à volta da marca do Elefantino, quer seja nos interiores em madeira e estofos camel, quer nos alargamentos das rodas de um Beta Montecarlo de Grupo 5, há qualquer coisa de único, um charme menos óbvio, um pouco menos de estrela porno, e um pouco mais de artista erótica, para a comparar a uma Ferrari ou Alfa Romeo.


E falando em Ferrari, quantas outras marcas tiveram acesso aos motores do colosso italiano? Nenhuma, mas a Lancia teve, tanto no Stratos como no Thema 8.32, porque o Sr. Enzo sabia que estava a "dever uma" à Lancia, por ter usado o seu carro de Fórmula 1, o D50, para levar a Scuderia Ferrari às vitórias.



Esse era o nível de respeito que havia antigamente, mas dos anos 90 para cá, foi uma queda a pique, e agora só existe um modelo da Lancia, o Ypsilon, que já só é comercializado em Itália. Há um mês a marca fez 110 anos, quanta gente ouviram falar sobre isso?

Para mim tudo começou com a segunda geração do Delta, um carro muito bem feito, superior até ao modelo anterior nas versões base, mas completamente sem sal. A partir daí foi o início do fim, até começarem as monovolumes e os Chrysler, e, finalmente, a morte já há muito anunciada. Os últimos Lancias brutais foram os Kappa, com a plataforma do Alfa 166 e motores que incluíam o Busso V6 e o 5 cilindros turbo que se encontrava no Fiat Coupé.



Não há uma mensagem de esperança no fim deste artigo, da mesma forma que não houve quando escrevi um sobre a morte do Elefantino, mas para todos os efeitos, a marca ainda existe, e apesar de nos últimos 20 anos não ter brilhado com a intensidade que merecia, o resto da sua existência é puro glamour. Por agora não me despeço dela, limito-me a desejar-lhe a continuação de um feliz aniversário, e um feliz ano de 2017, que bem precisa. E já agora, para os leitores também.




Gonçalo Sampaio, no Vício dos Carros
Comments