"Empresta ai o teu motor..."
- Rúben Teixeira
- 7 de nov. de 2016
- 9 min de leitura
"Empresta ai o teu motor..."

Toda a gente quer fabricar super-desportivos. Toda a gente quer ser a próxima Ferrari, Lamborghini, Lotus ou Porsche.
Depois descobrem quanto custa realmente por essa ideia em prática...
Fazer algo de extraordinário no mundo dos "supercarros" não é nada fácil, nem barato. O investimento é grande, até para quem já têm uma marca estabelecida, dai que muitas marcas novas abrem falência pouco tempo depois de se estrearem, ou até marcas que ainda se vão safando usam peças "emprestadas": Os retrovisores do Citroen CX já deram para pelo menos meia dúzia de super carros dos anos 80/90. O painel de instrumentos do Pagani Zonda é feito a partir do Lancia Y, TVR Griffith usa os faróis traseiros do Vectra A virados ao avesso... a lista é interminável...
Mas e os motores?
Muitas vezes são abertamente sabido quem "doou" os motores. A Shelby casava os motores Ford V8 com o chassis da AC. A McLaren teve direito a um V12 exclusivo da BMW (ao contrário do que se diz NÃO é um bloco M70/S70 como se encontra nos Série 7 e 8 da altura, mas um bloco diferente, muito mais curto e aligeirado, apesar de partilhar a denominação S70 e originalmente era para ser instalado no BMW E31 M8)
O Stratos tinha motores Ferrari V6 Dino e mais recentemente, a Pagani têm usado V12 e V8s de origem AMG.
Estou aqui a excluir a Ultima e afins pois são abertamente kitcars, e digo isso com um enorme respeito por eles, pois alguns fazem carros de meter muito marca de renome de joelhos, e vou excluir a TVR, pois até aparecer o Cerbera e os blocos 6 em linha, V8 e V12 criados por Al Meling, não escondiam a ninguém que os motores era Ford V6 e Rover V8.
Mas, e os que escondem a origem dos seus motores?
BUICK 215 = ROVER V8

Bem, comecemos pela própria Rover e o seu V8 de alumínio, super compacto, numa altura em que tudo era V8 era pesadão.
Como é que uma marca que nem uma junta de cabeça sabe fazer em condições, cria um V8 tão bom?...
Bem, brincadeiras à parte (pois o Rover Série K ainda tem muito que se diga, mas para outra altura) de onde veio mesmo esse V8?
Reza a lenda que um dos directores da Rover foi ao estaleiros da fabricante de barcos de recreio Mercury, viu a um canto da oficina deles um compacto V8 pousado no chão.
Questionou o que era e disseram-lhe que era um motor Buick e que até já não estava mais a ser fabricado.
Isto deixou-o espantado. De facto quando a Buick lançou este V8 de 3.5l em 1951, mas ninguém queria saber. Os carros americanos eram feitos para serem enormes e a poupança de peso do alumínio não lhes fazia diferença. Mesmo estreando os turbos num carro de estrada pela primeira vez (ao contrário do que se diz, de ser ou o BMW 2002 ou o Saab 99...) em 1962.
Nada disto fez impacto na América do Norte, e por isso este director pressionou a administração da Rover a adquirir os direitos e maquinaria para produzir este motor na Europa.
Lançado no novo topo-de-gama Rover P5B foi um sucesso imediato pelo binário e superior performance em comparação aos rivais directos.
Esse sucesso levou a ser instalado em outros modelos da Rover e depois British Leyland e à medida que tornava-se comum, começou a ser usado por um rol infinito de fabricantes de pequena escala britânicos e não só, além de servir para várias preparações.
Apesar de a Buick ter concebido o já referido turbo, na sua vida como Rover só foi atmosférico. Foi crescendo para lá dos 3.5 litros/215 polegadas cúbicas originais, principalmente pela mão da Land Rover, chegando aos 4.6Litros no Range Rover II e "não-oficialmente" aos quase 5 litros pela TVR.
Mas o seu relativo pequeno tamanho em comparação com outros V8 mais populares não mostra a verdadeira força deste motor.
Quando em 1987 correu-se o primeiro campeonato do Mundo de Turismos, a australiana Holden pensava que na super rápida pista de Monza o seu Commodore com 5.7litros de cilindrada ia aniquilar tudo e todos, mas viu-se aflita para passar os mais "pequenos" Rover SD1 Vitesse com somente 3.5litros...
Meia dúzia de anos como American Muscle, quase meio-século como ponta de lança dos desportivos europeus...

FORD MODULAR V8 = KOENIGSEGG V8

Bem, este leva os fanáticos da Koenigsegg aos arames...
Toda a gente sabe os feitos da Sueca Koenigsegg. Goste-se ou desgoste-se, temos de admitir que são impressionantes.
Carros de estrada que debitam mais de 1000cv de potência e cumprem com as normas (bem, depois do escandalo VW, duvido que alguém cumpra de facto, mas pronto...) têm de ter motores concebidos muito cuidadosamente.
O primeiro prototipo, o CC tinha um V8 de 4.2litros da Audi, mas a versão de estrada, o CC8S utilizava um bloco Ford Racing V8 do departamento de performance da marca do Oval Azul e foi o motor usado até ao CCX, onde a Koenigsegg afirma que foi concebido por eles próprios em parceira com a fundição Grainger & Worral em Inglaterra onde são fundidos os blocos da Cosworth, da Aston Martin, da Chevrolet para a NASCAR, etc, etc...
O problema é que as especificações são muito parecidas à do bloco Ford, e a Grainger & Worrall só faz a fundição dos motores, não a concepção, e a Koenigsegg não parece ter dimensão para conceber algo assim tão complexo sem um parceiro forte.
Dai a ideia é que continua a ser um motor muito ligado à génese Ford, mas profundamente modificado em que provavelmente nenhum componente seja idêntico, e ser tudo só paleio de marketing...
MUGEN-HONDA V8 INDY = AUDI V8/LAMBORGHINI V10

Wait... What?! Comoéquié?!
Sim. Acreditem. Puxem uma cadeira que eu vou contar aqui uma história rocambolesca...
Estamos no ano 2000 e na Alemanha decidem reavivar o DTM. A Mercedes e a Opel alinham na ideia, mas necessitam de mais uma marca para terem um campeonato que valha a pena.
Ninguém "chaga-se à frente" e o preparador alemão Abt decide tomar as rédeas e alinhar o Audi TT. Mas as regras têm um senão: Obrigam a usar unicamente um motor V8 de 4.0litros e tem de ser SEM relação aos motores de estrada.
A Mercedes têm os bolsos cheios e não lhe custa arranjar solução. A Opel vai ao stock da casa-mãe, a General Motors e encontra um bloco Oldsmobile V8 da Indy/Cart Americana na medida certa e mete-lhe os símbolos Opel, mas a Abt não têm esses meios e a Audi não ajuda oficialmente, nem que quisesse, pois o Grupo VW na altura não tinha nada desse género.
Numa daquelas negociatas que se passam nos bastidores do mundo automóvel chegam sabe-se lá como a acordo com o preparador japonês Mugen para com o aval da Honda fazer o mesmo que a Opel fez e permitir usar uma variante para o DTM do muito bem sucedido motor Honda com que estavam a dominar o campeonato Cart.
Problema resolvido.
Entretanto a Audi decide envolver-se oficialmente no DTM quando abandonam o Audi TT e passam a usar o Audi A4 B6 como carro de base no campeonato e pega no projecto desse V8 de origem Mugen-Honda.
Como o V8 4.2litros usado no Audi V8/A8/S8 já estava a ficar velhinho (ele era ainda baseado no projecto do 3.6litros que não era mais do que 2 blocos Golf GTI unidos à mesma cambota) e precisavam de uma nova arquitectura para dar mais potência e cumprir novas metas comerciais e ambientais para os anos seguintes.
Por isso deram-lhe mais 200cc, cabeças, cames e mapas de injecção aptos para a estrada, cambota, bielas e pistões "domesticados", mas a arquitectura é a mesma, e assim foi.
Por esta altura a Lamborghini já era parte do Grupo VW e estava sob tutela da própria Audi. Com o projecto de um "baby-lambo" entre mãos em que o magnifico Lamborghini V12 era grande demais e desadequado às pretensões do novo modelo, a ideia foi feita de conceber um novo motor mais pequeno.
E a solução foi "agrafar" mais 2 cilindros ao V8 Honda/Audi, com nova cambota e cames e uma concepção mais próxima ao que originalmente foi idealizado para a variante de 4 litros do DTM.
E vóila, temos o Lamborghini Gallardo!
E aonde é que esta magnifica peça de arte Lamborghini, pedaço da alma da região de Modena é fabricado? Na muita italiana e estilosa... Hungria.
Pois.
Estes V8 e V10 são feitos numa comum fábrica de motores da VW, ao lado de motores para carrinhas e monovolumes e outros carrinhos de papá...
E depois, com a renovação da gama RS6, a Audi faz um espalhafato: "O Novo RS6 têm um motor Lamborghini!!!"
Nojento este marketing da treta. São só variantes de motores Honda de corrida feitos na Hungria. Poupem-me...

NISSAN VRH = McLaren V8 3.8

Bem, este está relacionado com o Koenigsegg de certa forma: se a toda poderosa McLaren não concebe um motor novo de raiz, eu não estou a ver a Koenigsegg a fazer o mesmo de modo economicamente viável.
A McLaren nunca desenvolveu nenhum motor próprio, sempre recorreu a fornecedores externos, mas isso nunca os fez parecer um fabricante de kitcars ou pequeno fabricante, excepto no volume. As proezas que obteve na Formula 1 faz com que toda a gente saiba o seu valor.
Começando com o raríssimo M8 equipado com umV8 Chevrolet a par dos seus irmão de Can Am, seguido famosamente pelo insuperável McLaren F1 equipado com um V12 BMW (já falamos dele, vejam os artigos Lendas do Paddock) até que chegamos aos dias de hoje e toda a gama de modelos que derivaram de uma forma ou outra do MP4-12C.
A Mclaren adquiriu à TWR os direitos do bloco VRH que fez serviço em competição à Nissan, sejam na IRL como os já mencionados motores Honda/Audi e Opel/Oldsmobile, e também no Grupo C em carros como o R88 e R90, passando pelos GT1 com o R390 até ao actual SuperGT no R35 GTR GT500.
Com tantas variantes e possibilidades, e concebido com corridas de endurance em mente, não era complicado passar este motor a produção em série, aumentando o diâmetro dos cilindros para 93mm e assim alcançar os 3.8litros.
Alfa V6

Esta custa aos Alfista a aceitar mas, houve alturas em que o V6 Alfa não era o Busso que amamos. Eu não serei a melhor pessoa a explicar, será com certeza o Gonçalo, mas em pelo menos duas ocasiões o venerado Busso não estava à altura das necessidades.
A primeira, nos últimos anos do DTM o V6 usado pelos 155 era um bloco PRV da Peugeot/Renault/Volvo, com cabeças e componentes internos Alfa. Como é possível?
As regras estipulavam que o motor a usar teria de ser da gama do construtor, e como o Lancia Thema usava este motor, a Alfa Romeo interpretou que poderia segundo as regras usá-lo.
E porquê o PRV? Porque possui um ângulo entre bancadas de cilindros maior do que o V6 Busso. Como o PRV V6 originalmente foi concebido para ser um V8, quando decidiram fazer antes um V6, o projecto já estava todo quase concluído e para não recomeçarem a conceber o bloco novamente, decidiram ficar com os 90º que um V8 tradicionalmente usa ao invês dos 60º que os V6 normalmente usam, como é o caso do Busso.
Mas porquê é que o ângulo dos cilindros é tão importante?
Porque como a admissão é feita pelo meio das duas bancadas, quando maior o angulo entre eles, mais directa é a conduta de admissão, com menos curvas que abrandam o fluxo de ar. Como os carros de DTM eram atmosféricos a atingir 12.500rpm, a qualidade do ar que admitiam dentros dos cilindros era fundamental para obter o máximo de potência.
Na estrada, o Busso discretamente foi substituido pelo bloco V6 da australiana Holden, pois era mais moderno e adequado para atingir as normas de emissões, e vibrações qualidade de uso que actualmente se prende e onde o Busso era "puro demais" para um automóvel moderno.
Com cabeças Alfa Romeo, só para quem sabe é que a mudança passou despercebida, pois em termos de som e potência, não há muito a apontar.
Ponto extra: Rover V8 = TWR V6 e Repco F1 V8

Bem, já falamos que Rover V8 era o Buick 215, mas sabem que há dois motores derivados do mesmo design?
Em 1966 o agora falecido Sir Jack Brabham levou um carro concebido pela sua própria equipa ao titulo mundial de Formula 1, com motores desenvolvidos pela empresa de engenharia Repco, concebendo uma versão de 3.000cc do Buick 215, com cabeças diferentes, e obviamente, cambota, bielas e pistões diferentes.
Seria o único ano de sucesso, pois no ano seguinte outra empresa de engenharia apresentaria o motor que iria dominar a categoria por quase 20 anos: o Cosworth DFV..
A outra criação descendente do Rover/Buick V8 é o V6 usado no MG Metro GR4 e no Jaguar XJ220.
Este motor feito pela TWR leva a arquitectura compacta do Rover V8 e dai nasce um verdadeiro V6, que foi sempre um motor competitivo, quer no 6R4 nos rallies e rallycross, quer no JJ220 ou em pista em vários modelos Jaguar de Grupo C, desenvolvidos pela TWR.
Isto prova a polivalência do motor idealizado pela Buick no inicio da década de 50, e que os americanos cometeram o erro de desprezar, enquanto o resto do Mundo soube o capitalizar.

Estes são alguns dos motores mais sonantes dos quais fizeram "cópias" sob outro nome, mas muitos mais existem, quer em competição como na estrada. O mal é descobri-los e saber ver as coisas para lá do marketing das marcas.
Espero que tenham gostado deste pequeno artigo
Cumprimentos
Rúben
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