Crónicas de um Viciado
- Gonçalo Sampaio
- 10 de set. de 2015
- 3 min de leitura
Esta semana estava a pensar tirar uma espécie de férias e publicar uma crónica antiga, mas com a injecção de conversa sobre refugiados e eleições que tenho levado, escrever até me parece um bom exercício terapêutico, especialmente tendo em conta que nenhum candidato está minimamente preocupado com os carros. Sinceramente, enquanto não houver alguém a chegar ao parlamento num Sierra Cosworth ou num Impreza, sinto que estou a deitar votos ao lixo.
Mas divago.
O carro de que vos vou falar hoje é a maior pedra no sapato do mundo automóvel, a maior contradição de sempre, o mais irritante e desilusionante produto que esta marca italiana alguma vez criou. O mais belo carro inútil da história.
O Alfa Romeo Brera, e o Spider que nele foi baseado.
Este carro foi incrivelmente estúpido por ter sido apresentado com um V8 de origem Maserati montado longitudinalmente, o que anunciava uma tracção traseira logo à partida, mas ter sido produzido com motores base General Motors, montados transversalmente, com tracção dianteira ou integral nas versões de topo, que tinham apenas 260 cavalos.
Atenção, 260 cavalos não é pouco, nunca foi e não creio que algum dia o possa vir a ser considerado, mas quando os nossos rivais são os BMW M3, os Audis S5, os Mercedes CLK 63 AMG e por aí adiante, convém mesmo trazer as armas pesadas para a mesa. Só que, na altura, a Ferrari e a Maserati eram as únicas coisas que o grupo Fiat via à frente, por isso decidiu fazer um grande cocó em cima da Alfa Romeo e da Lancia, e não deixar que estas marcas usassem os seus preciosos motores, apesar de até o senhor Enzo o ter permitido em mais do que uma ocasião.
Além disso, ninguém gostou nada da ideia de usar motores GM nos Alfas, apesar de eles virem da Holden, a marca mais decente desse grupo, e serem modificados pela Alfa Romeo, ganhando coisas como injecção directa e melhor admissão de ar nos V6 JTS, também conhecidos como "Twin Phaser". Estes eram os que produziam 260 cavalos, os de 4 cilindros não vou dizer, por simples vergonha.
Houve empresas, como a Autodelta, que se dedicaram a mexer nestes motores, e com a ajuda de um compressor, que eu prefiro chamar de supercharger, o 3.2 V6 JTS passava a debitar 352 cavalos e a atingir os 100 km/h de uma paragem absoluta em 5.3 segundos, o que já o colocava mais perto da performance do seu rival bávaro, mas por um preço demasiado elevado. E tudo isto continuava muito aquém do protótipo com mais de 400cv.
E depois houve a outra ofensa grave, as versões a gasóleo, que eram de facto mais italianas e mais potentes do que as versões a gasolina. Munidas com um 2.0 JTDm de 4 cilindros ou um 2.4 JTDm de 5 cilindros, ambos de origem Fiat, estes carros tinham motores perfeitamente ao nível dos diesel da concorrência, e realmente faziam mais sentido no papel do que os motores a gasolina, o que nunca, sob circunstância alguma, pode acontecer. Além disso, contráriamente aos 1.9 presentes no 159 por exemplo, estes 2.0 não primaram tanto pela fiabilidade, e como o Brera/Spider tiveram uma produção pequena, o resto do carro também não era grande coisa nesse sentido, o que deu logo azo à conversa da qualidade de construção outra vez, que o 156 e o 147 tinham quase conseguido calar.
Mas porra, o carro era lindo, é uma obra-prima de Giugiaro, os apresentadores do Top Gear consideraram-no pornográfico e colocaram-no no frigorífico sub-zero na "Cool Wall", ou pelo menos foi essa a intenção, já que Richard Hammond fugiu com a foto do Brera para o quarto de banho.
Por fim, um ano antes de deixarem de ser produzidos, estes Alfas receberam o seu único motor a gasolina realmente digno, o TBi, de 4 cilindros e 1742cc, munido de um turbo que o permitia atingir 200 cavalos e 320Nm de binário com a gestão electrónica da altura. Este motor foi desenvolvido no Giulietta QV, atingindo os 230 cavalos, e equipa também o 4C, já com 240. Infelizmente, veio tarde demais, em 2009, quando os impostos dos carros já tinham disparado e toda a gente já tinha esquecido o Brera.
Teve uma morte digna, apesar de ter vivido uma vida curta, controversa, mas muito vistosa. Talvez o único problema dele tenha sido um nome errado, se o tivessem chamado de Alfa Romeo Supernova, toda a gente saberia o que esperar.

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