Lendas do Paddock: Fiat Uno
- Rúben Teixeira
- 28 de jul. de 2015
- 5 min de leitura
Fiat Uno não é aquela super máquina de competição. Nem sequer a sua versão Turbo I.E era
grande "hot hatch". Nem era o melhor utilitário. Mas tinha e têm um certo charme inegavél,
que até esconde as suas várias falhas.

O 8º carro mais fabricado de sempre, em produção no Brasil até 2013 teve um discreta mas
animada carreira desportiva.
Logo no lançamento do Turbo I.E da primeira série, com 1.3litros e turbocompressor foi
desenvolvido para rallies Grupo A das classes mais baixas (A7), notóriamente com as cores da
Totip. Com as preparações da categoria subia dos 118cv para os 160cv a 180cv, com um peso
que rondava os 890kg.

Esta preparação mantinha o turbo de origem, somente com um válvula de descarga modificada de
modo a compensar o (mau) turbo lag que o modelo de série sofria, e que mandou muitos Uno
Trubo I.E e donos para a sucata e hospital respectivamente, por fazer deste carro algo que
selvagem de controlar.
A linha era completamente livre o que ajudava no controlo da temperatura do turbo, tal como
um intercooler maior. De facto este bloco foi testado até aos 200cv, mas devido às
limitações impostas às entradas de ar de série, a potência tinha de ser limitada para manter
a fiabilidade.

A caixa de origem era trocada por uma ZF de competição muito mais curta (quem lidou com as
caixas dos Uno sabe que a de origem não ia dar certo?...) e semi-eixos de reforçadas, pois
as de origem não suportavam os 220 nm/m de binário que esta preparação lhes transmitia.
Entre estes dois elementos estava um diferencial autoblocante ajustável de modo a conferir
eficácia em qualquer tipo de piso.
Outro ponto de forte desenvolvimento foi o chassis/suspensões, pois o Uno nunca teve o
melhor chassis, em especial se o comparar-mos ao AX e 205, e de certa maneira o R5. Henri
Toivonen foi elemento chaave no desenvolvimento deste carro, e o endurecimento da suspensão, passagem para rótulas uniball e reforço do chassis vieram reforçar a ideia de que o eixo traseiro não tinha a estabilidade necessária, e dai que o rollcage teve de ser concebido de
modo a diminuir a flexão do eixo de torção em curva, que provocava contacto desigual entre
as rodas traseiras. Jantes de 15polegadas para providenciar mais espeço para travões maiores
completavam o pacote de competição.
Infelizmente o sucesso nunca bateu à porta em parte pela convulsão que houve na altura em
que foi lançado, com o fim dos Grupo B e inicio do Grupo A, e o facto de haver um carro
muito mais competitivo dentro do Grupo FIAT, o Delta 4WD (posteriormente o Integrale).
De qualquer modo, muitas destas ideias passaram para um troféu monomarca ao estilo Clio Cup, organizado na Itália, mas com carros mais próximos da versão "civíl" e com 155cv.

Fora da Europa o Uno deu cartas também no Brasil, onde gozou de uma popularidade tremenda.
Além de ter sido um dos principais interveniente no Campeonato de Marcas Brasileiro,
inicialmente com um motor 1.3l desenvolvido em particular para este país, que apesar de ser
atmosférico debitava os mesmo 118cv que o Turbo I.E de estrada. Mais tarde vieram de facto
as versões turbo neste campeonato, com preparação própria independente da que se fazia na
Europa, que obteve alguns resultados de relevo a nível nacional e logrou ser vice-campeão de
marcas e pilotos de 1988.
Depois veio a Formula Uno, nome que cria um claro trocadilho, e que era um troféu monomarca a versão desportiva brasileira o 1.6R de 105cv, muito próximos do carro de série, com pneus até mais estreitos que os que mais tarde iriam ser usados nos 1.0l do Troféu Unico/FEUP: 175 versus 185, mas anexados a uma afinação mais agressiva de modo a melhorar a entrada em curva e a rotação do carro sobre o seu próprio eixo direccional (paleio caro para explicar cambers diferentes para dar para o drift...)

O formato manteve-se o mesmo até o Turbo I.E ser também lançado por terras brasileiras,
criando-se assim duas categorias, atmosféricos e turbos, até ser lançado o Palio.

E por cá?

Por cá, alguém lembrou-se de promover uma competição acessivél, com poucos gastos para
iniciantes, em especial as faculdades e seus alunos, mantendo a competição renhida usando os Uno 45S com motor FIRE de 999cc e 46cv (aquele nome engana, o S no 45S deve de significar
aquele Cv extra...) Realidade? Os senhores futuros engenheiros não mexiam nos carros, eram
sim os simples mecanicos da Mundauto, Jalcar e afins que faziam algumas das principais
preparações, que de facto pouco era. Rollbar prédefinido, tal como suspensões, pneus e
restante material, ficando livre a opção de jantes, linha de escape e jigleurs de carburador.
Isto não quer dizer que não se tentava espremer o máximo de cvs destes motores. Rumores de
que muitos mecanicos batiam todos os fornecedores a tentar encontrar as bielas mais leves de
origem, fiando-se na amplitude de versões em que este motor foi usado (Autobianchi, Lancia
Y10 e 11, Fiat Panda, etc...) Outro rumor é de a came deste motor, na versão do Panda 4x4
tinha um prefil mais agressivo. Falou-se de variações de potência na ordem dos 15cv entre os
carros menos e mais preparados dentro das enormes grelhas de partida.

O que este troféu teve de bom foi revitalizar o desporto e os fins-de-semana de corrida dos
nacionais e rampas. Via-se talentos novos. Via-se muitos que não tinham experiencia para
aquilo, e outros falta de talento, e no meio disto tudo às vezes era uns autênticos
carrinhos de choque. Sorte é que as peças para Uno são do mais barato que há.
Hoje em dia foram substituidos pelos Punto e mais importante, pelos Alfa Romeo 156 1.8,
estes que já debitam de origem 140cv, em vez de debitarem 50 My Little Ponies como o Uno...

Contacto com a fera...
O nosso amigo Luís Rodrigues, o tal que foi ao Dakar de Clio I de 1.1l de que o Gonçalo Sampaio
falou no artigo sobre o Renault Clio pilota ocasionalmente em Rally um Uno ex-FEUP do qual
já colaborei na preparação para provas.

A primeira noção é da simplicidade do carro. Tudo é simples e acessível. Não é um carro
nascido para a competição, mas sim para ser um carro de cidade barato. Isso nota-se quando
se faz um furo na chapa numa zona em que num carro de competição a sério seria super
espesso, e no Uno 45S é finissimo...

Neste carro nota-se o efeito da falta de interiores, forros e insonorização, pois ao
aligeirar melhora considerávelmente o comportamento em relação ao carro de série, mas que
admito que no meu ponto de vista possa estar um pouco alterada, pois o unico Uno 45S de
estrada que conduzi estava equipado com jantes e pneus do Turbo I.E que talvez não fosse o
mais adequado. Mesmo com rollcage, barra anti-aproximação e molas/amortecedores o
comportamento destes Unos não será muito superior ao um 106 Rallye, e estará pouco acima de um AX Sport.

Parte do problema reside sim na falta de motricidade e tracção em geral. Em contra partida,
usar o travão de mão e executar um gancho em derrapagem é muito muito fácil, sem precisar de grande lanço. Um ligeiro maquinar das mangas de eixo cria espaço para ajustar os camberes
das rodas que poderá melhorar este aspecto, mas será sempre pouco.

Foto: Miguel Castro
Este é de facto o melhor carro para principiantes, talvez uma boa compra antes de transitar
para um Clio ou um Saxo. Pelo preço de um destes, compra-se o Uno, mais um outro
sobresselente, e ainda sobra.

Lenda do Paddock? Talvez não, mas todas as lendas têm de começar em algum lado...

Comments