Crónicas de um Viciado
- Helder Teixeira
- 3 de jun. de 2015
- 4 min de leitura
Esta semana resolvi fazer algo diferente do habitual. Tenho reservado este espaço a carros dos quais gosto muito, mas hoje vou falar um pouco de um carro do qual não sou fã, de todo. Poderia quase dizer que detesto este carro, mas não irei tão longe, direi sim que é o único modelo que não suporto da sua marca, e numa marca destas, isso é dizer qualquer coisa.
O Alfa Romeo 145.

Antes que se instale o pânico, sim, eu continuo a ser Alfista, e sim, eu conheço aquele terror chamado Arna, mas enquanto ter um Arna seria divertido pela sua raridade (e por ser um Alfasud por baixo daquele caixote a que chamaram carroçaria), o 145 é simplesmente um carro que não me diz nada, e que se vê quase todos os dias na rua, portanto não há sequer o factor "uau". E porque é que eu não gosto deste carro? Simples, porque o acho feio, e nem na Alfa nem na minha vida há lugar para carros feios. Para aprofundar mais um pouco o meu desgosto pelo 145, posso-vos dizer que eu recusei que me dessem um. Ou seja, estava eu, com os meus 18 anos, acabadinho de tirar a carta, maluco por Alfa Romeos desde sempre, a pedinchar um Sprint Veloce ou um 155 ao meu pai, que ele, na sua sensatez, recusou, mas não sem me propor um 145 Junior. E porra se eu o aceitei, não me bastou ser pobre, ainda fui mal-agradecido, e acabou por chover o Honda Civic de que falei na semana passada. Depois vieram os Alfas.


Portanto eu não gosto mesmo do 145, foi desenhado por um tipo que quase sozinho arruinou o design da BMW, tem um capôt demasiado arredondado, com o scudetto muito acima dos faróis, que também são feios, e meu Deus, o que são aquelas janelas? O 146 tem a mesma frente, mas pelo menos o resto do carro escapa, como tem 5 portas parece um 33 mais redondo, agora o 145 é uma aberração completa, é muito, muito, muito ofensivo ao olhar.


Qual é a solução? Modificar, pois claro. Mas e encontrar alguém que faça realmente um bom trabalho? Na maior parte dos casos o pessoal parece concordar comigo em relação ao scudetto, mas a solução que encontram é fibrarem por cima, e eu não aceito Alfas pós-guerra sem o triângulo à frente. Ainda assim, há algumas tentativas mais bem sucedidas, como este azul, que mudou realmente o formato do scudetto e das ópticas dianteiras, e ainda aplicou um dos body kits mais desportivos que havia para este carro. As jantes também não são más, embora prefira as Zender Milano do bordeaux.



Nem as preparações de competição me conseguem agradar neste carro.


Os interiores dão 20 a 0 ao exterior, o que é sempre muito mau sinal.


E pronto, já disse tudo o que tinha a dizer de mal acerca do Alfa Romeo 145... agora vou falar daquilo que realmente lhe deu mérito para vir parar a uma das minhas crónicas.

Até agora viram-me descascar no desenho do carro, mas não mencionei um único aspecto da sua mecânica. A razão para isso deverá ser evidente, é porque é absolutamente brilhante.

O 145 foi um dos últimos verdadeiros "Hot Hatches" europeus, apenas suplantado pela versão demoníaca do seu sucessor, o 147 GTA, que trazia um V6 de 3.2 litros à frente. No caso do 145 as motorizações eram menos exageradas, mas não mais contidas, especialmente as primeiras.

O que sucede é que, quando a Alfa Romeo substituiu o 33, acabou com um legado iniciado em 1972 pelo Alfasud, de hatchbacks de tracção dianteira com motores Boxer montados à frente do eixo dianteiro, que curvavam como se fossem de tracção traseira, mas não ia abdicar já desses motores, especialmente agora que eles começavam a ficar perfeitos, portanto colocou-os no 145 e 146.

O resultado foi um carro com a plataforma do 155, propulsionado por um motor de 33, que na sua versão de topo trazia 130 cavalos, provenientes de um 1.7 de 16 válvulas, já com um moderno sistema de injecção. Os coleccionadores gostam dessa versão, mas a Alfa não parou por aí.
Conforme o nome Twin Spark ia ganhando mais fama (e mais válvulas por cilindro, assim como uma ajudinha da Fiat na produção), esse passou a ser o motor 4 cilindros "oficial" da marca durante cerca de uma década, e foi introduzido no 145, em versões de 1.4, 1.6, 1.8 e 2.0cc. Esta foi a mais louca, debitando mais de 150 cavalos, o que colocava o 145 e o 146 bem ao nível da concorrência na corrida ao título de melhor Hot Hatch, mesmo só usando motores de produção em massa, em vez de contar com algo mais exclusivo e obscuro, como fazia a Honda com o Civic VTI, ou a Renault com o seu Mégane 2.0 16V, proveniente do Clio Williams.

O 145 2.0 e o, bem mais amigo dos impostos, 1.8 Twin Spark, tinham também uma suspensão mais desportiva, travões de disco às 4 rodas e uma direcção mais rápida, muito à semelhança do que acontecia com o maior 155. Tudo isto se aplicava também ao 146.

Por fim, o carro lá foi substituído pelo 147 e eu fiquei todo contente por haver um hatchback bonito na Alfa outra vez, mas dou graças pelo 145 ter existido, não só por ser um bom dador de peças para outros Alfas, mas também por ter sido um excelente carro durante 6 anos, que por acaso não me agrada a mim, mas que fica espectacularmente bem nas mãos dos outros.












Gonçalo Sampaio, no Vício dos Carros
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