Crónicas de um Viciado
- Helder Teixeira
- 20 de mai. de 2015
- 3 min de leitura
Há um sonho que julgo ser comum a qualquer viciado em carros, um sonho utópico, virtualmente impossível de concretizar.
Esse sonho é usar um supercarro como carro de dia-a-dia, como "daily driver".
Loucura, eu sei, os supercarros são criaturas fabulosas, no sentido de pertencerem mesmo a fábulas, de tão exóticos que são. Têm os motores em lugares estranhos, caixas de velocidades demasiado boas ou demasiado más, manutenções impossíveis, um desgaste elevadíssimo e são mal construídos no geral. Recordo o júri de que os puxadores da porta do Ferrari F40 são arames.
O supercarro é estúpido por natureza, o Lamborghini Countach tem a visibilidade traseira de um camião-frigorífico, o Porsche 911 tem o motor na mala, o McLaren F1 tem o volante no meio, nada parece fazer sentido nestes carros. Mas nós adoramo-los, porque apelam às nossas emoções em vez da nossa razão, e são feitos para quem conduz por prazer, não por obrigação. E para quem é rico, mas isso é outra questão.
O problema é que mesmo para os ricos, os muito ricos e os absurdamente ricos, o supercarro não consegue ser uma escolha inteligente para o dia-a-dia, nem os mais fiáveis, como o Honda NSX, porque até esse tem um motor onde os passageiros se deveriam sentar.
Mas e se eu vos dissesse que há uma solução? Se eu vos dissesse que há um supercarro que pode ser conduzido todos os dias, sem risco de partir o motor a cada 20.000km, tem espaço para 4 pessoas e ainda assim bate os 300 km/h?
E se esse carro fosse um Ferrari?


O 456. Este carro de que ninguém anda a falar, devia estar nas bocas do mundo, porque pode muito bem ter sido o único supercarro decente da história. É claro que eu sou fã dos loucos, mas quando falo em "decência", quero dizer que pode rivalizar com algo tão aborrecido como um Volkswagen Passat. E sim, estou ciente de carros como o 612 Scaglietti e o FF, os seus sucessores, mas esses carros já vêm equipados com as caixas robotizadas xpto, e lamento imenso, mas isso não faz qualquer sentido num carro que se queira "normal".


O 456 não tinha esse problema, oferecia uma manual de 6 velocidades, com aquele orgásmico padrão em H exposto, ou uma automática de 4 velocidades, para quem não sabe conduzir mas tem dinheiro para um Ferrari. Hey, não se sintam mal se esse for o vosso caso, pelo menos sabem fazer dinheiro, eu sei fazer coisas giríssimas com carros, mas faço-o em carros de 500 ou 1000 euros, quando há dinheiro para a gasolina. Adiante.

O motor do 456 era um V12 derivado do V6 "Dino", que se provou extremamente fiável e potente, debitando 442 cv, sem qualquer esforço. O facto de ter uma cilindrada elevada (5.5 litros) e de não usar turbos ou compressores, contribuiu bastante para essa fiabilidade, algo que as marcas de carros tão convenientemente têm vindo a esquecer, e que os nossos governantes ignoram por completo, assim como os ambientalistas fanáticos, que nunca param para pensar nos custos que o fabrico de um motor ligeiramente mais poluente, mas que dura uma vida, tem em comparação aos 3 motores menos poluentes necessários para durar o mesmo período de tempo. Às marcas compensa vender mais, aos ambientalistas compensa dizer que fizeram algo, e aos governantes compensa aparecer na fotografia no fim. Para mim compensava que fossem todos para uma parte dos navios onde se observa o horizonte. O caralho, vá.


Agora já não se fazem carros destes, carros genuinamente bons, com um cavalino rampante no capôt, por cima de um 12 cilindros que dispara potência para uma caixa de velocidades que se opera com uma mão e um pé, para deixar pedaços dos pneus traseiros gravados no chão, nem com lugares atrás nem sem eles. Mas se tiverem o tal dom de fazer dinheiro, uma dose generosa de bom gosto e um sonho para concretizar, o Ferrari 456 GT é o carro certo para vós.
















Gonçalo Sampaio, no Vício dos Carros
Comments