Crónicas de um Viciado
- Helder Teixeira
- 11 de fev. de 2015
- 3 min de leitura
Falemos de algo especial. Algo nobre. Algo que conquistou essa nobreza por ter pavimentado o caminho para o que o automóvel viria a ser.
Falemos do primeiro supercarro italiano. Falemos do Alfa Romeo 8C.


Se acabaram de acordar, não me estou a referir ao lindíssimo 8C Competizione de 2007, mas sim à besta de 4 rodas (quando não eram 6) dos anos 30. Um carro com motor de 8 cilindros em linha, alimentado a carburadores Weber e superchargers Roots, capaz de produzir mais de 300 cavalos nas versões de corrida.

Mas como isto não são as Lendas do Paddock, a minha atenção vai para as versões de estrada, os 8C 2300, 2600 e 2900, aqueles que realmente abriram caminho para o que hoje em dia tomamos por garantido, carros de corrida disfarçados de carros de estrada, provenientes de um país que se dedica quase exclusivamente a ter estilo. Desde a moda à própria língua, Itália tem uma certa tendência a fazer as coisas com mais pinta do que nós, os restantes habitantes deste planeta a que chamamos Terra, e quando falamos em supercarros, inevitavelmente pensamos num Ferrari vermelho. Foi com este carro que isso começou, essa associação automática que fazemos, esse legado, essa lenda.




Outrora, apenas os bravos realmente loucos, ou pilotos de automóveis, como preferirem, tinham acesso a estas máquinas de andar depressa, as criações de Vittorio Jano e Enzo Ferrari, os Alfa Romeo que dizimavam a competição em todas as corridas que existiam. Mas quando a Alfa Romeo decidiu lançar o 8C de estrada, o status quo mudou, logo que a carteira o permitisse, qualquer um podia comprar um carro com as mesmas características que aquele que Tazio Nuvolari usara para vencer os Mercedes-Benz Silver Arrow e os Auto Union muito mais potentes do regime Nazi em Nurburgring, numa corrida tão tendenciosa, que nem o hino italiano tinha para a eventualidade de alguém que não fosse alemão, ganhar a corrida. Felizmente, Nuvolari tinha um ego quase tão grande como o seu talento, e levou um disco de vinil com ele, para tocarem no fim. E novamente, eu sei que isto é assunto das Lendas do Paddock, mas o homem era lendário a ponto de eu ter de desviar a conversa para falar um pouco sobre ele. Convenhamos, o gajo inventou o drift, caramba.





Portanto aqui estamos nós, a fazer uma visita mental a uma época em que muitos carros ainda tinham rodas de carroça, enquanto os Alfa Romeo já faziam curvas de lado. É claro que já existiam outros carros brilhantes, como os tais Mercedes-Benz, os Bugatti, alguns BMW ou os Bentley, mas os italianos provocaram um sentimento diferente nas pessoas, talvez fosse por vestirem o vermelho, talvez fosse o cavalino rampante da Scuderia Ferrari pintado no capôt, ou os trevos de 4 folhas num fundo branco, talvez fosse a sorte de terem tido o melhor piloto ao volante dos seus carros, ou talvez esse e todos os outros pilotos brilhantes da época que conduziam Alfas os tenham escolhido porque realmente eram as melhores máquinas para se conduzir. Facto é que, na altura, ter um Alfa Romeo era o sonho de qualquer um, aristocratas, magnatas, estrelas de Hollywood, os próprios pilotos de carros, toda a gente que era alguém gostava de conduzir um Alfa, e o 8C estava no topo da pirâmide.

Diversas empresas carroceiras fabricaram carroçarias para o carro, dando origem a exemplares únicos, sendo actualmente muito difícil avaliar o valor de um carro destes quando surge em leilão, mas podemos sempre contar com alguns milhões a menos no bolso se quisermos um, a não ser que falemos com a Pur Sang, que por cerca de 500.000€ nos constrói uma réplica exacta de um 8C original. E quando digo exacta, quero dizer que não é um VW Carocha ou um chassis da Ford com motor Chevy com uma carroçaria engraçada por cima, é efectivamente uma cópia exacta, perfeita, à mesma escala, de todos os componentes do carro, montados da mesma maneira que seriam montados em 1932. Sim, motor e tudo.


Porquê pagar valores astronómicos por carros velhos, ou por carros novos iguais aos velhos, quando podemos, por uma fracção do dinheiro, comprar um Ferrari novo que anda 3 vezes mais depressa? Pela mesma razão que os compraríamos nos anos 30, porque são ruidosos, vermelhos, rápidos e lindos de morrer. São supercarros italianos, não envelhecem, são imortais e alimentam-se dos próprios humanos que os compram. E este foi o primeiro da sua espécie.












Gonçalo Sampaio, no Vício dos Carros
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